quinta-feira, 23 de junho de 2011

POEMA DA DESPEDIDA
[Mia Couto]

Não saberei nunca
dizer adeus

Afinal,
só os mortos sabem morrer

Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser

Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo

Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos

Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca

Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo.


PARA TI
[Mia Couto]

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que falhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só olhar
amando de uma só vida.

Metalinguagem.


Sobre a poesia fotografada de momentos únicos.
Saudade dos meus melhores amores e amigos.




Quando viajávamos para fazer o que poderia ser feito tão perto de casa.





Quando nossos sonhos cabiam em no máximo um metro e meio.






Saíamos ao sol sem nos preocupar com quanto ele queria no aquecer. As letras de rock antigo se ocupavam de falar por nós. Nós em nosso submarino amarelo.






Sorrisos tortos e abraços mal-dados. Continue me amando desse cantinho aí. Desejo beijar muito ainda a sua face, amigo.






Juramos que nos falaríamos todos os dias.





Le petit mantins.





Houve os dias que quisemos ser de todas as cores. Só pra ofuscar quem sempre quis ser cinza.







Hey you. Sempre um grito nas minhas estruturas.






Julgávamos ser anjos, fadas e gnomos. Viajamos sem asas.





Quando nosso maior medo era se ia chover e a água atrapalharia nossa brincadeira na rua.



Como o mar pra mim. Sem nunca ter pousado os olhos, conheço e amo cada detalhe.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A Insustentável Leveza do Ser


de Milan Kundera.

Se cada segundo de nossa vida deve se repetir um número infinito de vezes, estamos pregados na eternidade como Cristo na cruz. Que idéia atroz! No mundo do eterno retorno, cada gesto carrega o peso de uma insustentável leveza. Isso é o que fazia com que Nietzsche dissesse que a idéia do eterno retorno é o mais pesado dos fardos (das schwerste Gewicht).

Se o eterno retorno é o mais pesado dos fardos, nossas vidas, sobre esse pano de fundo, podem aparecer em toda a sua esplêndida leveza.

Mas, na verdade, será atroz o peso e bela a leveza?

O mais pesado fardo nos esmaga, nos faz dobrar sob ele, nos esmaga contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o peso do corpo masculino, O fardo mais pesado é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da mais intensa realização vital. Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais ela é real e verdadeira.

Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes.

Então, o que escolher? O peso ou a leveza?

Foi a pergunta que Parmênides fez a si mesmo nó século VI antes de Cristo. Segundo ele, o universo está dividido em duplas de contrários: a luz e a obscuridade, o grosso e o fino, o quente e o frio, o ser e o não-ser. Ele considerava que um dos pólos da contradição é positivo (o claro, o quente, o fino, o ser), o outro, negativo. Essa divisão em pólos positivo e negativo pode nos parecer de uma facilidade pueril. Menos em um dos casos: o que é positivo, o peso ou a leveza?

Parmênides respondia: o leve é positivo, o pesado negativo. Teria ou não razão? Essa é a questão. Uma coisa é certa. A contradição pesado-leve é a mais misteriosa e a mais ambígua de todas as contradições.


*Essa semana ainda dedico-me a fazer uma análise pessoal da obra.

terça-feira, 21 de junho de 2011


Blowin' In The Wind
Bob Dylan

hoje essa música não me sai da cabeça. Junto a ela me vem o cheiro de rosas da Torre Negra - minha companhia dos 16 anos. Dias singularmente nostálgicos.


How many roads must a man walk down,
Before you can call him a man?
How many seas must a white dove sail,
Before she sleeps in the sand?
Yes, and how many times must cannonballs fly,
Before they're forever banned?
The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind

Yes, and how many years can a mountain exist,
Before it's washed to the seas (sea)
Yes, and how many years can some people exist,
Before they're allowed to be free?
Yes, and how many times can a man turn his head,
And pretend that he just doesn't see?
The answer, my friend, is blowin' in the wind
The answer is blowin' in the wind

domingo, 19 de junho de 2011

Soneto I

Minha primeira lágrima verti
De amor, e na fusão de dor e espanto
Deixei que me corresse em paz o pranto
E em soluços clamei em vão por ti

No trilho desta lágrima, entretanto,
Conter meu pesar não consegui
Pois tudo que fascina e que sorri
Nada vale diante o teu encanto

De ti não me afasto nem e me ausento
Se te é oferecida esta lágrima
Pertence-te também meu sofrimento

Ah! Sanção por desejar o que desejo
Pudera esta lágrima vertida
Secar-se com o fogo do teu beijo

sábado, 18 de junho de 2011





Sophia de Mello Breyner Andresen


Retrato de uma princesa desconhecida


Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos


Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino



Vida longa ao Fim.


Tirando a poeira das minhas escritas. Aos dias dos meus 15 anos, saúdo.

"Não venho catequizar-te, ou fazê-lo culpado
Para isso, há muito, a Igreja inventou o pecado."

Desde já saúdo.
Saúdo a tudo aquilo que ousa ser.
Sem a mesquinhez de saudar as coisas boas da vida
que, em suma, preferem se esconder.

Saúdo o que é. E não o que tentou usurpar.
Ao desencanto religioso
Vamos, pois, saudar
O pecado da fé é no mínimo dogmatizar.

Saúdo quem erra. Todavia erra, buscando o acerto.
Ah! De fato não haveria de saudar
aqueles que corrigem e não vivem por medo
Justificam-se com Escrituras,
E como todos os outros pecadores
morrem cedo.

Saúdo o verso, a prosa e a rima.
O estilo cortado
O homem Abaporuerizado
do moderno sem disciplina.

Perco a sonoridade

Saúdo aos céus e não aqueles que o habitam.
O palco de todas as borboletas.
O azul que une ao mar. O mar que guarda Njord.
Aquele que o amor não vingou por barreiras geográficas.
Saúdo a inocência, aquela que encanta e brota na expressão da simplicidade excêntrica.Os olhos nus da verdade.
Saúdo a sustentação. Aos bons amigos de risos tortos e abraços maldados.
Saúdo as palavras que descansam meus ombros de fardos pesados.
Saúdo meus devaneios que me libertam do ordinário.
Saúdo a vingança, que anula a auto-destruição. Simplicidade útil.
Saúdo o silêncio, que já dissera palavras o bastante. O silêncio que evita definições errôneas.

Para mãos, dedos.
Para os dedos, unhas.
Para nós,vida longa ao fim.
Princípio enaltecido.
Apenas vindas longas, partidas breves.
Saudade distante.