quarta-feira, 13 de julho de 2011

Diálogo com o Tempo.


Eu estou simplesmente aqui sentado no meu recanto, onde eu sempre fico,
e minha voz que tantos já escutaram, acaba de sair dessa minha boca,
coroada por ralos fios de barba mau feita.
Em minha boca tem saliva, a língua se mexe, o sangue corre dentro da língua,
e das buchechas, e de todo o resto. O coração bate.
Meus pensamentos disparam dentro da cabeça, e eles atravessam todo o Universo.
e meu olho percorre a vista nesse horizonte, nesse pôr- do- sol,
nessas vidas que passam caminhando do lado de fora, se conversando, sentindo, será que isso é real?
Meu olhar passa por mais uma aranha a caminhar na parede, quantas aranhas eu já devo ter visto nessa vida?
Elas não tem nome, ninguém chorou pela morte delas, e elas nunca tiveram depressão.
Ele passa também por essas paredes, onde ecoam conversas e pensamentos.
É um cômodo na cobertura da casa, onde às vezes fazemos churrasco e tomamos cerveja,
onde o fim de tarde é lindo. Aqui há uma mesa, um computador, uma estante,
aparelhos de som e alguns instrumentos, há também minha cadeira.

Uma casa comum da década de 10 do século XXI,
quando os computadores e a internet, duas tecnologias revolucionárias para nossa época rapidamente tomaram conta do mundo,
é uma boa época, penso que sejá a melhor de todas na humanidade, lógico que temos nossos defeitos,
há uma quantia considerável de fome, há alguma guerra em alguma lugar, não há escravidão, não legalmente pelo menos
mas dá pra se viver tranquilamente em quase toda parte do mundo, conseguir dinheiro não é tão dificil, e há toda a liberdade
exatamente nessa época e em grande parte graças a internet, o mundo vem perdendo precoceitos e ignorância
praticamente não existem limites para nossas vontades e nunca deveria ter tido, na minha época qualquer um pode ser rei
não fosse a internet, a igreja e outros poderes absurdamente desnecessários ainda estariam brincando com o mundo e com as nossas vidas

Os tijolos dessas paredes, a tinta delas, e até mesmo a poeira invisível sobre elas
são capazes de contar historias desse lugar onde vivi, eu, minha namorada, meus amigos e minha linda mãe
talvez possam contar até mesmo sobre meus pensamentos, tantas vezes me sentei aqui pra pensar...
mas tantos anos se passaram e finalmente aqui está essa gravação a ser ouvida,
como se fosse uma ponte no tempo, ou um elo ligando duas dimensões
Aqui estou novante, aqui esta minha voz, como se acabasse de sair daquela boca, com saliva,
dentes, língua e tudo mais, como se ouvesse ainda o pôr-do-sol, a aranha a caminhar pela parede,
as pessoas a pensarem em mim e eu a pensar nelas
Talvez hoje, depois de 10, 20, 50, 100, 1000 anos, depois da minha morte,
as pessoas queiram ouvir isso, ouvir que um dia eu estive vivo,
e com os mesmos medos e duvidas que eles, como hoje nós fazemos ao ler a bíblia,
um livro de história, ou uma notícia velha num jornal.
Talvez não.
De qualquer forma, eu estou aqui.
Com a barba, a saliva e um coração.

(As pessoas ainda estão morrendo na sua época. E se não, isso está funcionando bem?)

Domingos, Lázaro.


Um comentário:

  1. O seu blog combina com uma boa leitura de domingo de manhã. o dia parece ficar mais aconchegante.

    Abraço.

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